Hercule & Hippolyte #2, 2019
Hercule & Hippolyte #2, 2019
Díptico/diptych
Câmeras fotográficas analógicas e fotografias em preto e branco,
emolduradas.
dimensões/dimensions 53x27x9 cm (cada/each moldura/frame).
Fotos dos túmulos de Hercule Florence (falecido em 1879, cemitério da
Saudade, Campinas, Brasil) e Hippolyte Bayard (falecido em 1887,
cemitério de Saint Pierre lès Nemours, França), ambos inventores do
processo fotográfico com pouco reconhecimento internacional. As fotos
foram realizadas com as respectivas câmaras emolduradas.
Entre 1836 e 1839, Hippolyte Bayard (1801-1887) conseguiu desenvolver um
processo fotográfico para a obtenção de "desenhos" sobre papel
fotossensível mas não conseguiu o reconhecimento do governo e nem do
público, tendo sido eclipsado pelo invento de Daguerre.
Bayard só não foi totalmente esquecido pela “história da fotografia” por
causa de uma insólita foto que realizou em 1840, com a qual inaugurou,
com estilo, uma espécie de trânsito entre documentação fotográfica e
ficção. Tratava-se de seu “autorretrato afogado”, uma espécie de
manifesto, uma fotografia de protesto, onde se representava como um
homem morto, sentado, olhos fechados, o corpo seminu, mãos unidas e
visivelmente escurecidas. Nas costas da fotografia ele escreveu : "O
cadáver do homem que você vê, no verso, é aquele do Sr. Bayard, inventor
do processo que você acaba de ver ou do qual verá os maravilhosos
resultados. No que me toca, há cerca de três anos esse engenhoso e
infatigável pesquisador se ocupava de aperfeiçoar sua invenção. A
Academia, o Rei e todos aqueles que viram esses desenhos, aos quais eles
pareciam imperfeitos, os admiraram como você os admira neste momento.
Isso lhe deu grande honra e não lhe valeu um centavo. O governo que
tinha dado demasiado ao Sr. Daguerre disse nada poder fazer pelo Sr.
Bayard e o infeliz se afogou. Oh, instabilidade das coisas humanas! […]”
A foto do túmulo de Hippolyte Bayard – localizado no cemitério de Saint
Pierre lès Nemours, França – foi emoldurada juntamente com a câmera com a
qual foi realizada. Trata-se de uma dupla homenagem póstuma, tanto ao
inventor pouco reconhecido, quanto ao invento cuja morte afetará, para
sempre, nossa relação com os documentos.
...
Do outro lado do oceano Atlântico, um outro francês muito talentoso mas
radicado no Brasil desde 1824, Antoine Hercule Romuald Florence
(1804-1879) conseguiu imprimir ‘desenhos’, através de uma camera
obscura, sobre papel embebido em nitrato de prata em 1833. Um ano
depois, ele nomeou o próprio experimento de photographie, alguns anos
antes de John Herschel cunhar de maneira independente o termo
photography e ter sido reconhecido por isso. Por estar muito longe da
Europa, o invento de Hercule Florence foi ignorado. Desta forma, o
próprio cientista apelidou-se de um "inventor no exílio".
Hoje, essa fotografia e sua parafernália mecânica e química parecem ter
sido quase definitivamente enterradas, vencidas pela indústria que
decretou a morte da imagem analógica em detrimento da digital. Algumas
questões ontológicas relacionadas com o caráter indicial das imagens
sobre papel ou filme parecem ter sido engavetadas, como ossos são
guardados em caixas ou recobertos por uma lápide. Florence teria dito
uma vez mais: “Não pensemos mais nisso”. A fotografia está morta. Viva a
fotografia!
A foto do túmulo de Hercule Florence – localizado no cemitério da
Saudade, Campinas, Brasil – foi emoldurada juntamente com a câmera com a
qual foi realizada. Trata-se de uma dupla homenagem póstuma, tanto ao
inventor pouco reconhecido, quanto ao invento cuja morte afetará, para
sempre, nossa relação com os documentos.